FFM #34: O clube de origem trabalhista que perdeu um dos seus para o Hamas
+ 3 mil ameaças de morte por defender os direitos das mulheres + igualdade na diferença + a ilusão dos ganhos fáceis das apostas + Manchester City recriando Oasis + agradecimentos
Hersh: vítima do Hamas e eternizado pela torcida do clube que apoiava
A guerra entre Israel e Hamas está perto de completar um ano. No dia 7 de outubro de 2023 o Hamas cometeu um ataque brutal, respondido de forma bastante desproporcional por Israel. Dois meses depois, contamos aqui na newsletter a história do estadunidense-israelense Hersh Goldberg-Polin. Uma das centenas de reféns do Hamas, ele era fanático por futebol e torcia para o Hapoel Jerusalem, uma equipe cuja torcida tem ideais progressistas, além de ser ele mesmo defensor de tais causas.
Passou-se quase um ano e, agora no final de agosto, Hersh, de apenas 23 anos, foi um dos seis reféns assassinados pelo Hamas após uma tentativa fracassada de resgate por parte do exército israelense. Seu funeral teve presença maciça de torcedores do Hapoel Jerusalem, que durante o período do rapaz como refém organizou diversas iniciativas cobrando pelo seu resgate. O velório teve ainda presença dos jogadores da equipe, e o clube lançou uma camisa em sua homenagem.
Em Israel, as principais equipes têm a maioria da torcida identificada em algum ponto do espectro político ou representam algum recorte social do país. Na última edição da FFM vimos que rolou uma treta entre torcedores do Bnei Sakhnin e do Hapoel Beer Sheva. Enquanto a primeira equipe tem origem árabe, assim com o Bnei Reina (nenhuma das duas torcidas apoia o Hamas), a segunda é de uma cidade com maioria de eleitorado de direita. Por ser o único time grande da cidade, a população o abraçou, mas o caso dele é uma exceção, pois os clubes com nome Hapoel tem origem no movimento trabalhista israelense e são mais identificados com a esquerda. São o caso do Hapoel Haifa e do Hapoel Jerusalem, este último o time do coração de Hersh Goldberg-Polin.
Completando essa trama complexa de posicionamentos entre as torcidas dos clubes locais, há ainda dois dos maiores times do país, Maccabi Tel-Aviv e Maccabi Haifa, que têm torcedores mais identificados com a direita democrática (esta entidade quase extinta no Brasil…). E o posicionamento mais lamentável vem de torcida com Beitar Jerusalem, que simplesmente se auto-intitula, com orgulho, de ser a torcida mais racista do mundo. Por pressão desse grupo de ultras, o clube nunca contratou um jogador árabe. Mais sobre as diferenças entre as visões dentro das torcidas israelenses no podcast Xadrez Verbal, que teve participação de João Miragaya, do podcast Do Lado Esquerdo do Muro.
Hersh Goldberg-Polin estava no meio deste fogo cruzado de torcidas, etnias e ideologias. Uma ótima matéria da Rolling Stone nos leva até um bar em Jerusalém onde Hersh era figurinha carimbada antes de ser raptado. Lá, ele estava em meio aos seus, os colegas da Malcha Brigade, torcida organizada do Hapoel, cercado por adesivos e adereços relacionados ao clube, à luta antifascista ou a ambos ao mesmo tempo.
O bar é um microcosmo da definição de Jerusalém como um território fortemente em disputa. O local literalmente ao lado era a casa de Ze’ev Jabotinsky, líder militar que viveu na virada dos séculos 19 e 20 e que tinha uma visão bem torta do movimento sionista, inspirado em ideias do fascismo italiano. A casa de Ze’ev, lógico, é uma espécie de templo sagrado para os torcedores do Beitar Jerusalem.
Hersh era contra a ocupação de Gaza e lutava por mais direitos ao povo palestino. Ele fazia questão de lembrar disso quando acordava todos os dias: em seu quarto, além de flâmulas como a do St. Pauli, clube alemão fortemente ligado a uma ideologia de esquerda, um quadro com as cores do Hapoel lembrava: “Jerusalém é para todos”.
Marzieh Hamidi recebeu três mil ameaças de morte por defender os direitos das mulheres afegãs antes de parar de contar
Pausa no futebol porque o fim do mundo também acontece nos outros esportes. A lutadora de Taekwondo Marzieh Hamidi fugiu do Afeganistão após o retorno do Talibã ao poder, em 2021. Ela encontrou refúgio na França e, de lá, é ativa nas redes sociais na defesa dos direitos das mulheres no Afeganistão, talvez o país do mundo mais atrasado nesse sentido, embora a competição seja grande. Lá, elas não têm direito a esporte, trabalho, educação e por aí vai. As postagens de Marzieh, que pedem o mínimo do mínimo, como “Deixe-nos existir”, foram respondidas com chamadas e mensagens constantes ameaçando-a de estupro e morte. Foram 3 mil ligações em 48h, quando ela decidiu parar de contar. Mais na matéria do GE.
Carson Pickett, jogadora do Orlando Pride, cumprimenta Joseph Tidd, torcedor mirim do clube com a mesma deficiência que ela. A cena é de 2019 mas a explosão de fofura é eterna. A história de ambos está no ESPNW.
Apostas e a ilusão da prosperidade instantânea
Achou que não ia ter apostas na edição de hoje? Achou errado. Desta vez trago o link de um post do Mas Divago… com uma reflexão sobre a ilusão de que as apostas podem trazer uma prosperidade imediata a quem faz uma fezinha. Junto a essa ideia de ganhar dinheiro fácil está a completa falta de freio das políticas neoliberais e do mercado desregulamentado, fazendo a população rolar numa ladeira que já era bem íngreme.
O Manchester City recriou a capa do álbum Definitely Maybe, do Oasis, para a divulgação da nova camisa do clube. Tem até o Guardiola fazendo que está tocando violão. Por mais insosso que o City seja, a ideia foi legal e embarcou na onda do retorno da banda após anos de treta entre os irmãos Gallagher, torcedores fervorosos dos Citizens.
Valeu!
Para finalizar, um muito obrigado a quem está chegando agora e a quem compartilhou a newsletter nas últimas semanas. A última edição deu uma viralizada e chegou a números que jamais imaginei chegar. Em um mundo dominado por números de redes sociais onde queremos sempre mais e mais, estou satisfeito com a comunidade criada aqui, falando deste lugar de privilégio onde a newsletter é um hobby do qual não dependo.
Até a FFM 35!