FFM #35: No Líbano, a menor preocupação é a bola ter parado de rolar
+ torneio jogado com botas, ruanas e chapéus + racismo à brasileira + Pelé + Hope Solo + direito ao aborto + o jiu-jitsu brasileiro exportado para muito longe
No último dia 26, a federação de futebol do Líbano suspendeu a liga de futebol do país após apenas 4 dias de seu início, depois da intensificação dos ataques feitos por Israel no sul do país e a preocupação com o início de uma guerra mais ampla pelo território. Somente até o momento da suspensão, já haviam sido reportadas 558 mortes causadas pela ofensiva. O campeonato israelense segue rolando.
Já no território palestino, futebol já não é uma realidade há tempos, mais precisamente desde o dia 6 de outubro de 2023, um dia antes de o Hamas perpetrar o ataque a Israel que desencadeou o enorme exercício de punição coletiva iniciado por Netanyahu e sua trupe.
A seleção segue jogando e fazendo uma campanha além das expectativas nas eliminatórias asiáticas para a Copa do Mundo de 2026, mesmo sendo forçada a jogar até as partidas como mandante fora do território palestino. Na última data FIFA, a seleção conseguiu um empate com a forte Coreia do Sul, fora de casa.
No caso do futebol de seleções, as tensões também afetam a seleção de Israel e até mesmo quem vai jogar contra ela. Na última data FIFA, a Bélgica não se sentia segura para receber a seleção israelense e resolveu mandar sua partida contra o país na Hungria, em Debrecen, sem torcida. No jogo seguinte, agora como mandante, Israel atuou novamente na Hungria, desta vez em Budapeste e agora contando com a presença de torcedores. Na hora do hino israelense os torcedores da Itália, adversária da vez, viraram as costas.
Voltando ao território palestino, por lá os desafios não são apenas logísticos. Na verdade, dentro do contexto, esse é um problema até bastante contornável e de menor importância. Em março, os palestinos perderam Mohammed Barakat, lenda do futebol local que já representou a seleção do território, além de já ter expandido fronteiras e ter representado times da Arábia Saudita.
Em junho, foi a vez de Ahmad Abu al-Atta perder a vida em um ataque insraelense. O zagueiro de 34 anos ainda estava na ativa pelo Al-Ahly Gaza, clube da Faixa de Gaza. Alguns dias antes, havia sido morto o árbitro de carreira internacional Hani Mesmeh, que não resistiu aos ferimentos de um ataque ocorrido em maio. Em julho, o Shabab Khan Yunis FC perdeu seu goleiro, Shadi Abu al-Araj. Já em fevereiro, quem perdeu a vida para os mísseis foi Mohammed Khattab, árbitro assistente nível FIFA.
Esses são apenas alguns dos nomes dentre os mais de 300 esportistas palestinos mortos desde o começo da ofensiva. E como falado na última edição da FFM, no lado israelense do conflito o futebol também perde representantes importantes.
A quantidade de vidas perdidas se soma à informação da Palestinian Sports Media Association de que 90% das instalações esportivas da Faixa de Gaza foram destruídas desde o 7 de outubro de 2023.
A newsletter Sports Politika dedicou uma edição para falar de algumas dessas instalações, com diversas imagens de ruínas de construções que lembram campos de futebol. Sem dúvida, o caso mais estarrecedor é o do estádio Al-Yarmouk, construído em 1952. No final de 2023, rodaram o mundo imagens que mostravam o estádio tornado em um campo de concentração de prisioneiros palestinos. O estádio ainda foi terraplanado, e membros do exército israelense se deixaram fotografar posando juntos a uma bandeira do país pendurada no travessão.
A destruição de instalações esportivas e a perda de jogadores históricos em Gaza são mais uma das inúmeras tragédias do atual conflito. E tudo isso pode se repetir, caso a ramificação da guerra para o Líbano escale. Enquanto as instituições internacionais seguem empurrando o assunto com a barriga, novas histórias tristes vão surgindo.
Uma das sensacionais imagens do Festival Deportivo y Cultural de Botas, Ruana y Sombrero, que ocorre anualmente desde 2011 em Boyacá, na Colômbia. A ideia é promover a integração da comunidade indígena da região. Como o nome sugere, se trata de uma competição esportiva de várias modalidades em que as pessoas jogam usando botas, ruanas (uma espécie de poncho) e chapéus.
Olhando para o nosso próprio umbigo
Não é novidade que a escalada de casos de racismo em diversos países, especialmente europeus, vem sendo rápida. Embora os casos que chegam aos noticiários brasileiros sejam relacionados aos discursos com cada vez mais ódio feitos a Vini Jr, diversos outros pipocam por aí, geralmente respondidos por federações com notas e campanhas com pouca efetividade no geral. Mas o problema também é grave no Brasil. Nas últimas semanas, os dados de casos de racismo no futebol brasileiro em 2023 foram divulgados pelo Observatório da Discriminação Racial e mostram um grande aumento em comparação com 2022, quando o número também já havia sido grande. Desta vez, passou da centena. A cifra pode mostrar tanto o aumento do racismo em si quanto da maior visibilidade do tema, o que gera mais denúncias. Os números e mais informações no GE.
Que homão da porra.
Hope Solo x Futebol dos EUA: um documentário com time mandante
Nos últimos dias eu vi o documentário Hope Solo vs. U.S. Soccer, da Netflix. Ele faz parte de uma série da série de documentários Untold, que conta diversos casos escabrosos do esporte, geralmente dos EUA. Nesta edição em específico, é contada um pouco da história de uma das maiores goleiras da história do futebol feminino, focando nas polêmicas em que ela se meteu ao longo da carreira, que não foram poucas. O documentário é bem instigante, assim como praticamente todos os outros da série, mas leva apenas cinco segundos para dar uma justificativa mequetrefe sobre a falta de entrevistas com pessoas que foram afetadas pela falta de tato de Hope nas situações em que ela esteve nesse fogo cruzado. De qualquer forma, vale a pena por explicar como ela virou uma persona non grata não apenas na federação de futebol do país mas até mesmo entre outras jogadoras históricas dos EUA.
“Abortion is healthcare”. Mais uma boa bola da sempre combativa torcida do St. Pauli.
A faixa foi levantada na partida contra o RB Leipzig em meio a outras que dialogam com o movimento de legalização do direito ao aborto de gestação na Alemanha.
A modalidade brasileira que virou febre nos Emirados Árabes
Trazendo um tema alheio ao futebol mas que achei interessante: o jiu-jitsu brasileiro é o maior do mundo. Essa popularidade vem de uma tradição iniciada lá no século passado e que foi crescendo quase sempre graças à família Gracie, numa mistura de qualidades esportivas e empresariais. Se quiser saber mais, uso minha inconsequência de pessoa não formada em jornalismo para linkar um prompt do ChatGPT. E agora chegamos ao patamar em que o jiu-jitsu daqui é um produto de exportação. Mais ainda: Karim Zidan conta na Sports Politika como ele já virou o orgulho nacional nos Emirados Árabes Unidos e já faz parte da identidade do país.