Olá, pessoa!
Antes de trazer os tradicionais três temas da edição e sem meias palavras, passo para anunciar que a newsletter vai passar por um hiato. A ideia é que seja de um mês, mas pode ser mais longo.
Nada mudou muito na minha vida, é apenas o jeito que eu funciono. Lido melhor com projetos que tenham início e fim determinados. Portanto, a ideia era fazer uma maratona de 10 edições com no máximo uma quinzena de intervalo.
Nessas edições, eu quis testar um modelo fixo para a newsletter, e acredito que foi bem sucedida a estrutura de não trazer temas únicos em cada edição e de ter abundância de links ao longo do conteúdo, pois há pessoas melhores do que eu para falar deles. Eu sou apenas o mensageiro.
Agora sim, vamos aos temas da edição.
Áustria e México: faces diferentes da homofobia
No dia 25 de fevereiro, rolou o clássico de Viena entre o Rapid e o Austria Viena. O Rapid, jogando em casa, amassou o rival com um 3x0. Na comemoração, alguns jogadores da equipe se empolgaram e pegaram um megafone para zoar o rival. Algo saudável se no meio disso não tivessem rolado cânticos homofóbicos em provocação ao adversário.
A punição foi dura, mas justa e necessária: dos jogadores que fizeram coro com as provocações, três estavam convocados para a seleção austríaca para a disputa dos jogos da próxima data FIFA: Guido Burgstaller, Marco Grüll e Niklas Hedl. A decisão do treinador da seleção, Ralf Rangnick, foi de desconvocá-los.
Na argumentação para a remoção dos jogadores da convocação, o treinador foi duro e preciso:
Isso é algo que eu não vou tolerar em algum time que eu treine - seja em clubes ou agora em uma seleção. O retorno deles para a Euro 2024 depende do que eles realmente pensam e em que estado mental estejam. Desculpas da boca para fora não são suficientes. Eu espero que eles levem isso muito a sério e entendam o que isso significa para as pessoas que são insultadas e discriminadas dessa forma.
Tradução minha da matéria do Foot Mundo.
O mundo do futebol começa a se mexer, ainda a passos lentos, em relação à homofobia. Em Minas Gerais, o Atlético-MG vai ser julgado devido aos gritos de parte de seus torcedores contra o goleiro Rafael Cabral, do Cruzeiro, no clássico ocorrido há cerca de um mês. Mas enquanto no caso brasileiro a expectativa é baixa por uma pena exemplar, na Áustria o treinador Ralf Rangnick chama para si a responsabilidade e aplica uma punição com grande possibilidade de ser de fato educativa aos jogadores. Todos eles já se desculparam ao invés de confrontar ou relativizar a decisão, e espera-se também que suas atitudes mudem.
Já no México, o caso é mais espinhoso e a discussão não cabe em poucas palavras. No domingo, 10 de março, América e Tigres se enfrentaram pela liga mexicana no Estádio Azteca. Em comemoração ao 8 de Março, diversas ações foram feitas em celebração às mulheres. Uma delas foi dedicar um setor inteiro do estádio somente para elas.
O problema é que justamente desse setor foi entoado um canto homofóbico a Nahuel Guzmán, goleiro do Tigres:
¡Que lo vengan a ver, que lo vengan a ver! Eso no es un portero, es una puta de cabaret.
Acho que não preciso traduzir.
O que fez a imagem dos cantos rodarem o mundo foi que, no mesmo momento em que a infeliz música era cantada pelas torcedoras e com o jogo rolando, Guzmán foi até o repórter de uma das TV 's que transmitiam o jogo. Seu curioso protesto foi ao ar ao vivo na transmissão:
Muy gracioso, que estamos con el mensaje con la igualdad y todo el colectivo femenino haciendo grito homofóbico. ¿No te parece un poco desacertado?
O questionamento de Nahuel Guzmán é bastante válido. Mas cravar uma posição final para este debate não é. Além de homofóbica, a música também tem tom machista ao usar a expressão “puta de cabaré”. O fato de a música ter sido cantada no setor dedicado às mulheres adiciona uma camada complexa e que não quero encerrar aqui.
Se há algo em comum entre Áustria e México é que, apesar dos níveis diferentes de conscientização, a homofobia foi colocada em debate de formas que não haviam sido vistas antes. Que sigamos assim, mas que seja tratado de forma mais urgente.
A Lazio é só a ponta do iceberg de um problema crescente
No último dia 5 de março, Bayern de Munique e Lazio se enfrentaram pela partida de volta das oitavas de final da Liga dos Campeões. A visita à Alemanha foi a oportunidade perfeita para alguns torcedores da Lazio, equipe com histórico de ser no mínimo leniente com a super-representada ala de extrema direita de sua torcida.
A Lazio já virou sinônimo de tudo o que há de ruim em termos políticos quando se fala de futebol. Embora devamos tomar cuidado com a generalização, como mostra o último episódio do Calciopédia, podcast especializado em futebol italiano, o histórico do clube e de parte da sua torcida é mais sujo do que pau de galinheiro.
Enfim, voltando: cerca de cem torcedores neofascistas da Lazio que foram para a Alemanha aproveitaram a visita para fazer o que pra eles é turismo: visitaram o bar onde Hitler fez o discurso de fundação do partido nazista, em 1920. Lá, eles completaram o bingo da escrotidão. Teve cântico celebrando Mussolini, saudação romana e por aí vai.
Mas como sugere o título do bloco, a Lazio foi eleita como o símbolo supremo de um problema que é muito maior, e que só cresce. É o que conta esta extensa matéria do The Athletic que foi ao ar agora em março. Eles viajaram ao que há de mais profundo das divisões do futebol da Alemanha para contar como a extrema direita tem ganhado voz nas torcidas.
A matéria começa com uma ameaça de morte a um torcedor que levou ao estádio de sua equipe, o Chemnitzer FC (da terceira divisão), uma bandeira com as cores do arco-íris. O torcedor conta que, mesmo passados cinco anos desse dia, ele não se sente mais seguro para se manifestar a favor da diversidade em jogos da sua equipe. Um silenciamento que se prolifera em outros exemplos trazidos na matéria.
Trazendo diversos casos e várias histórias entrelaçando política e futebol, sempre nos clubes menores do país e de clubes e torcidas que se identificam com os diversos lados do espectro político, a reportagem relembra que não é só na Alemanha que a extrema direita tem ganhado força, embora a preocupante ascensão da AfD (Alternativa para a Alemanha), partido neonazista do país, tenha ganhado os holofotes.
Para além dos exemplos mostrados de perto nas arquibancadas alemãs, a matéria traz uma percepção interessante: a forte identificação política nas torcidas. Talvez pelo histórico de fortes fatos históricos proporcionados por decisões políticas, o alemão não se sente bem em se mostrar “isentão”. E o futebol, como o megafone da sociedade que é, mostra isso de forma às vezes extrema.
Dez jovens, cinco anos, zero punição
No mês passado, se completaram cinco anos do incêndio do Ninho do Urubu, centro de treinamento do Flamengo, que deixou dez jovens entre 14 e 16 anos mortos. Juntas aos 16 sobreviventes na busca por juntar os cacos e conseguir justiça, estão as famílias das vítimas fatais.
Até hoje, ninguém foi punido pelo que aconteceu. O incêndio, iniciado após um curto-circuito em um ar-condicionado que estava em péssimas condições, aconteceu em um alojamento também com condições precárias e muito em descompasso com a grandeza e o potencial de investimento de um clube como o Flamengo. O descaso se tornava o mais puro e simples crime a partir do momento em que o clube ignorava alertas das autoridades sobre as condições do CT.
Diversos processos, vindos de diferentes frentes, correm na justiça. A morosidade incomoda. Mas incomoda mais ainda a postura do Flamengo ao longo desses cinco anos. Durante esse período e até a atualidade, o clube não prestou apoio aos sobreviventes e aos familiares das vítimas. Pelo contrário, luta na justiça para que não seja paga uma indenização justa pelo trauma causado, e também para que o clube dê respostas convincentes sobre o ocorrido.
Aos olhos do Flamengo, as famílias são um problema a ser resolvido. A postura segue a mesma há cinco anos. O caso voltou à tona não apenas pela data redonda mas também pelo lançamento de um mini-documentário na Netflix sobre o caso, trazendo o ponto de vista dos familiares e dramatizações daquela noite. Que o caso não seja esquecido, pois seria isso que Eduardo Bandeira de Mello e sua corja gostariam.
Muito obrigado a todos que acompanharam esta “temporada” da Futebol no Fim do Mundo. Voltamos após esse hiato com mais histórias. Enquanto isso, você pode ler o arquivo da newsletter (a maioria das histórias são atemporais) e encaminhar para quem você achar que pode gostar.
Um abraço!