Casos Isolados nº 673, 674, 675…
Nos últimos anos, vão se proliferando casos divulgados de racismo no futebol, especialmente no europeu. Mas por aqui também acontece bastante. Se por um lado os racistas já perderam a vergonha de serem racistas, por outro temos acesso a cada vez mais informação, o que facilita o espalhamento de denúncias. Como um terceiro fator, há maior apoio e acolhimento para as vítimas, o que contribui para que a denúncia seja de fato feita e que não haja silenciamento.
Essas características permeiam toda a sociedade, não apenas pessoas do futebol. Mas me chama a atenção como o fator da impunidade tem sido decisivo para a continuidade (e multiplicação) desses casos nos estádios.
Somente na semana passada, mapeei três casos de racismo na elite do futebol europeu. Três casos denunciados e que vieram à tona. Imagino o quanto não acontece em divisões inferiores, com menos câmeras, menos visibilidade, menor acolhimento para vítimas se sentirem seguras para falarem sobre o assunto. E pelo menos em dois dos três casos, a impunidade grita alto e exemplifica o modus operandi desse ciclo de racismo que já passou muito da hora de acabar.
No meio da semana passada, ainda do lado de fora do estádio Metropolitano, houve registros de gritos racistas para Vinícius Jr. por parte de torcedores do Atlético de Madrid. Embora eu discorde da forma como o GE noticiou, mencionando o termo “torcida” ao invés de “torcedores”, vemos como ficou naturalizada essa forma de insulto entre alguns grupos de idiotas.
Já no final de semana, um caso mais grave ganhou mais visibilidade. A partida entre Udinese e Milan chegou a ser interrompida após o goleiro Maignan comunicar ao árbitro gritos racistas vindos da arquibancada do estádio Friuli. Os times chegaram a sair de campo, mas voltaram para finalizar a partida.
Vítima de racismo quase que diário na Espanha, Vinícius Jr. apoiou o colega com palavras fortes e necessárias:
“Agradeço aos que realmente apoiam a nossa luta e lamento aqueles que só aparecem com palavras vazias para ganhar a simpatia da imprensa”.
A fala de Vini tem direção: autoridades do futebol, especialmente o espanhol e o italiano. Após casos como o de Maignan, dirigentes das federações envolvidas correm para minimizar os casos, dizendo se tratar de “algo isolado”. As punições, que raramente acontecem, são extremamente brandas com os clubes, que por sua vez não contribuem na busca pelos envolvidos.
O caso da Udinese é exemplar nesse sentido: a equipe foi punida com uma única partida com portões fechados. Já o clube afirma que identificou cinco torcedores envolvidos nas ofensas e que eles foram banidos das partidas do time em casa. É muito pouco.
Os “casos isolados” do final de semana são completos com um outro ocorrido na Inglaterra. No jogo entre Coventry e Sheffield Wednesday, da segunda divisão, o meiocampista jamaicano Kasey Palmer foi vítima de racismo de um torcedor na arquibancada, que chegou a ser filmado fazendo os gestos.
A Inglaterra é um pouquinho menos pior em números de casos de racismo no futebol. Além dos poucos registros, existe um sistema mais sofisticado de identificação e punição. Além dos posicionamentos dos clubes na ocasião, a polícia da região correu para afirmar que está investigando o caso. Em países como Espanha, Itália e alguns outros, isso nem chega a acontecer.
A fala de Vinícius Jr. mencionando figurões do futebol que vivem de bravatas em relação aos casos de racismo forçou esse pessoal a adotar posicionamentos mais duros. No mesmo final de semana das ofensas a Maignan, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, fez um post defendendo até mesmo uma derrota compulsória a equipes cujos torcedores cometam atos racistas. Porém, como bem explicado nesta matéria de Lucas Bombana na Folha, este tipo de punição não é tão simples e está longe de ser uma realidade a curto prazo.
Futebol, essa máquina de moer gente
Tendemos a achar que o futebol, especialmente nas divisões maiores, é um esporte praticado por robôs, desumanizando jogadores e outros envolvidos especialmente na hora em que o calo aperta. Ou melhor, só quando o calo aperta. Quando tudo está bem, adoramos ver nossos ídolos chorando ao fazer um gol ou declarando amor ao nosso clube. Mas no primeiro jejum de gols de um centroavante ou no primeiro frango do goleiro, não é raro que haja envolvimento de familiares ou até ameaças de morte. “Ou joga por amor ou joga por terror” é uma frase que estampa faixas e muros de forma rotineira no futebol brasileiro.
A raiz desse comportamento é algo que mereceria um ensaio bem mais longo e envolve a construção de como é hoje a relação do torcedor com o futebol. Além de refletir a sociedade local, há uma parcela de responsabilidade da mídia e de como ela retrata atletas, treinadores e dirigentes, elevando o futebol a um patamar que ele não deveria ter e, com isso, levando aos torcedores a mensagem de que se trata de uma questão de vida ou morte. Nesse sentido eu discordo de um ídolo hipster do futebol, Bill Shankly, que disse: “Futebol não é uma questão de vida ou morte. É muito mais que isso”. Prefiro ficar com uma frase de um outro treinador histórico europeu, Arrigo Sacchi: “Das coisas menos importantes, o futebol é a mais importante”.
Por fim, completando uma trinca de razões para essa desumanização, entra em jogo a artificialidade com que o futebol de alto nível é tratado há uns anos. Jogadores tem intensivões de media training para que suas entrevistas sejam cada vez mais pasteurizadas, há agências de marketing pensando em cada ato de personalidades do futebol para que eles sejam sempre bem vistos, além de marcas que não querem patrocinar atletas que não sejam vistos como fortes e resilientes. Todo o buzz em cima de Endrick, por exemplo, é resultado desse processo.
Nesse sentido, tenho gostado de acompanhar como a ascensão do futebol feminino no Brasil trouxe um nível maior de autenticidade, num momento em que ainda não há um esforço midiático tão forte em cima da modalidade. Por causa disso, eu sigo apenas jogadoras do feminino do meu time no meu Xuíter. Nenhum do masculino.
Todo esse preâmbulo é para trazer aqui o caso de Diego Rosa. Ele é um jogador de apenas 21 anos e que está no Bahia desde o ano passado, após passar pelo Manchester City antes mesmo de virar profissional. Neste começo de temporada, ficou no Brasil para participar do ínicio da campanha do Tricolor no Campeonato Baiano, enquanto o time A estava na Inglaterra fazendo pré-temporada.
O time B do Bahia estreou na semana passada no torneio estadual e perdeu em casa para o Jequié por 1 a 0. Diego Rosa foi vaiado pela torcida, e minutos depois postou no Instagram que aquela seria sua última partida como jogador profissional. Não imaginamos como nossas vaias, que podem apenas parecer o desabafo de uma frustração, podem afetar um jogador.
Logo no dia seguinte, com a cabeça mais fria, Diego Rosa voltou atrás de sua decisão. Ele e o clube esclareceram que seria feito um trabalho psicológico com os profissionais do clube. No jogo seguinte, o jogador não apenas se redimiu com uma boa atuação como chegou a marcar um gol, sendo eleito o melhor em campo. A volta por cima quase imediata é uma boa história de superação, mas liga o alerta de como o futebol não precisa ser um moedor de gente.
Inglaterra: futebol e cocaína
Seja na América do Sul, na Europa ou em muitos outros centros futebolísticos do mundo, existe um tipo de torcedor que vive o futebol com a maior intensidade possível: o torcedor visitante. É um grupo de pessoas muito menor que os apoiadores em geral do clube e que estão dispostos a colocar em jogo muita coisa de suas vidas para acompanhar seu time onde quer que ele vá.
A Inglaterra é um dos lugares com maior incidência desse torcedor que atravessa o país para ver o time jogar. Na maioria dos casos, o futebol é um pretexto para conviver com um grupo de amigos e viver aventuras. A questão é que essa intensidade toda pode ser manifestada, por exemplo, com… uso de cocaína no meio de um trem em movimento, no qual apenas metade das pessoas estão indo para o jogo.
Essa foi a apuração feita pelo João Castelo Branco, repórter brasileiro que mora na Inglaterra e faz a cobertura do futebol de lá para a ESPN. Além de presenciar essa situação bem peculiar, ele mostra na reportagem como o uso de cocaína já é algo bem rotineiro entre torcedores ingleses, especialmente aqueles que estão viajando para jogos fora de casa. E chega a entrevistar um torcedor que fazia uso de cocaína no trem.
Essa conclusão não é baseada apenas em um flagra. Em diversos estádios, são vistas faixas e são cantadas músicas que exaltam o uso da cocaína atrelados ao apoio à equipe do coração. São exemplos e mais exemplos.
“…E na volta de Manchester no último domingo (14) à noite, após United 2 x 2 Tottenham, pela Premier League, já após negociar com a "máfia dos taxistas" em frente a Old Trafford (eles tentam cobrar três vezes o preço normal da corrida para a estação, não aceitam as chamadas pelos aplicativos e não querem ir pelo taxímetro), consegui pegar o penúltimo trem para Euston, em Londres.
Mais uma vez, me deparo com grupos de torcedores viajando bêbados com caixas de cerveja e garrafas de vodka, se exaltando e falando sobre cheirar cocaína abertamente. Geralmente, iam em dois ao banheiro, mas, às vezes, era um ‘teco’ ali mesmo no vagão…”
Bizarro.
Veja a ótima matéria do João Castelo Branco no site da ESPN.