FFM #38: Coreia do Norte: uma potência aleatória no futebol feminino de base
+ burrice climática + o convulsionado Sudão na CAN 2025 + Taylor Swift e o futebol feminino + cartinha + links a rodo
No dia 22 de setembro de 2024, a Coreia do Norte se sagrou campeã mundial feminina sub-20, vencendo o Japão na final por 1 a 0 na partida disputada em Bogotá, na Colômbia. Foi o terceiro título das asiáticas, se igualando a Alemanha e Estados Unidos como maiores campeãs do torneio. A campanha, de 7 vitórias em 7 jogos, também deixou pelo caminho EUA e Brasil.
Menos de dois meses depois, foi a vez da categoria sub-17. Jogando em Santo Domingo, na República Dominicana, a Coreia do Norte venceu a Espanha na final por 4 a 3 nos pênaltis após um 1x1 no tempo normal + prorrogação. Também foi o terceiro título mundial do país na categoria, mas aqui agora ela lidera isolada, tendo se desgarrado justamente da Espanha, única que se mantém com dois títulos.
Os mais desavisados acerca do futebol feminino de base, como eu, ficaram o puro meme do Cascão e do Seu Cebola questionando “O que está acontecendo? O que está acontecendo?”. Mas é isso mesmo, a Coreia do Norte é a maior campeã mundial nas duas principais categorias de base do futfem.
Quando vamos para os profissionais, a coisa muda de figura, não só no masculino mas até mesmo no feminino. Entre os homens, a Coreia do Norte teve apenas duas participações, a primeira em 1966 e a segunda em 2010, inclusive dando uma suadeira danada para o Brasil na nossa estreia daquela edição.
Já entre as mulheres, mesmo com o brilhantismo nas categorias de base, as participações em Copas na categoria adulta são tímidas. Esteve presente por quatro vezes, mas apenas em uma avançou para além da fase de grupos, e a última aparição no torneio foi lá atrás, em 2011.
Então o que diabos explica essa disparidade entre o desempenho nas categorias de base e nos profissionais, especialmente na modalidade feminina? E por que um país tão isolado politicamente do mundo tem essa presença tão dominante nas categorias de base do futebol feminino? Hoje, no Globo Repórter.
Como a própria quantidade de títulos nas categorias de base já sugere, o sucesso da seleção norte-coreana feminina não vem de hoje e não é algo fortuito. E em um esporte onde o dinheiro fala tanto, como o futebol, é difícil que um sucesso de tão longo prazo não esteja ligado a investimentos. Não é diferente aqui. E com um governo bastante centralizador como o da Coreia do Norte, esse apoio só poderia vir dele mesmo.
A história começa nos anos 80, quando o governo do país viu na ascensão do futebol feminino uma brecha para crescer em uma modalidade ainda pouco desenvolvida no mundo. Então, em 1985, foi estabelecida uma liga nacional com 18 times. A título de curiosidade, a primeira divisão brasileira, ainda hoje, tem 16 clubes. Mais do que isso geraria uma disparidade que não garantiria um nível adequado de competitividade.
Conforme o passar dos anos, foi ficando perceptível que o investimento na modalidade não era apenas uma aventura. Foram construídos centros de treinamento e métodos para a captação de talentos foram sendo implementados pelo país. As atletas ganham apartamentos do governo para ficarem próximas aos locais de treinamento em Pyongyang, por exemplo.
Os resultados em competições internacionais foram vindo, começando com a Copa da Ásia de 2001, passando ainda pela conquista das edições de 2003 e 2008. Elas também ganharam a medalha de ouro nos Jogos Asiáticos de 2002, 2006 e 2014. Isso tudo nos profissionais, sem contar inúmeras conquistas no futebol de base.
Tantas taças empilhadas no futebol feminino profissional começam a responder a outra pergunta, sobre o porquê de todo esse sucesso a nível mundial na base não ter se revertido para o profissional.
Os títulos mostram que a seleção adulta é, sim, tão forte quanto as de base. Mas aqui começam a entrar as questões políticas tão obscuras quando se trata de Coreia do Norte. Falando de Copa do Mundo, a seleção foi banida da edição de 2015 após a explosão de um escândalo de doping. As complicações pela punições resultaram na não-classificação para a edição de 2019. Em 2020 veio a pandemia, e a política de isolamento social extremo fez o país se retirar de todas as competições, incluindo as eliminatórias para a Copa de 2023.
Portanto, o baixo sucesso na categoria profissional acontece devido a fatores diversos, mas dá para atrelá-los à forma sempre pouco convencional do governo em lidar com essas questões.
É difícil tentar analisar o que está por trás do sucesso da Coreia do Norte sem recorrer a paixões e achismos. Se por um lado o investimento no futebol feminino pode ser encarado como uma forma de propaganda para mostrar a pujança esportiva do país, por outro é um forte apoio a uma modalidade tão maltratada em 90% dos países do mundo. E em um país que faz tanta questão de se isolar do mundo, faltam insumos para entender mais a fundo esse sucesso sem recorrer a lugares-comuns.
Burrices climáticas extremas
Em outubro, um desastre climático afetou brutalmente a região de Valencia, na Espanha. As enchentes causadas pelas fortes chuvas causaram mais de 150 mortes, além de vários desaparecidos, desabrigados e de toda a destruição que deixaram. Mas segundo Álex Bernal, jogador do Eldense, da segunda divisão espanhola, isso tudo aí foi invenção. Invenção da imprensa, plantando notícias falsas? Não, ele acha que as tempestades de fato aconteceram, mas que foram fabricadas para que as pessoas creiam nas mudanças climáticas. Falas como essa indicam o nível de absurdo do conteúdo que chega para algumas pessoas e de como eles podem ressoar. Vi no Copa Além da Copa.
Sudão: convulsionado, esquecido e na CAN 2025
O Sudão está na edição de 2025 da Copa Africana de Nações, a principal competição de seleções do continente africano. A equipe deixou para trás a poderosa seleção de Gana e se classificou no grupo junto com Angola. O que torna essa classificação impressionante é a dramática situação humanitária que o Sudão vive, em uma guerra civil que perdura desde abril de 2023 e que já causou dezenas de milhares de mortos, 12 milhões de deslocados e metade da população sofrendo de insegurança alimentar aguda. Mesmo com números alarmantes, o conflito não é comentado na imprensa tradicional e não recebe atenção de órgãos internacionais. Mesmo com suas vidas “valendo menos” e com os atletas que os representam tendo que jogar até os jogos como mandantes fora do país, os sudaneses tiveram um pingo de motivo para comemorar.
O que a Taylor Swift tem a ver com a situação do futebol feminino? Alguém tentou responder
A turnê Eras Tour, da Taylor Swift, foi gigantesca. Não só pela quantidade de shows e pela absurda resistência física da cantora, mas também pela grana movimentada. O faturamento na rede hoteleira, por exemplo, rivalizou com os do Super Bowl e das Olimpíadas. Tamanho sucesso traz diversos pontos de aprendizado para os desafios da popularidade do futebol feminino no mundo. Esta matéria do Athletic foi a fundo no assunto, conversando com lideranças de algumas ligas importantes do futebol feminino no mundo. Um ponto em comum entre as dirigentes ouvidas corrobora com algo que falei aqui na newsletter há algumas edições: mais do que correr atrás do público do futebol masculino, o feminino tem condições de construir sua própria base, sem recorrer aos mesmos apelos trazidos no futebol dos homens.
Futebol antes do fim do mundo
Na última edição da FFM, fugi um pouco do formato normal da newsletter e trouxe uma cartinha para a colega de newsletterismo Paula Maria, parte do amigo secreto de newsletters do qual participei no fim de 2024. Pouco depois da publicação, saiu também a cartinha direcionada para a FFM. Ela veio do Danilo Heitor, dono de uma newsletter coincidentemente chamada Antes do Fim. Vale a leitura e as lágrimas que talvez elas vão derramar. Obrigado demais, Danilo!
Dump de links
St. Pauli, Werder Bremen e o The Guardian saíram do Twitter, num movimento que torço para crescer até aquela desgraça fechar e o Quico do Foguete ficar com cara de bunda (mais do que já tem).
Karim Zidan, da Newsletter Sports Politika, falou sobre um torneio de futebol realizado em Gaza em novembro, mesmo em meio ao massacre em curso por lá.
Ainda do Karim Zidan e ainda sobre a situação em Gaza, outro bom texto dele, mencionando o silêncio da comunidade do futebol, mesmo na modalidade feminina, em relação aos horrores da guerra.
A Síria finalmente se livrou do governo de Bashar al-Assad. A federação de futebol do país não perdeu tempo e, no mesmo dia, anunciou a mudança das cores da seleção.
Na revista Josimar (eu acho maravilhoso que exista uma revista de futebol norueguesa chamada Josimar e que ela realmente seja uma homenagem ao jogador brasileiro que atuou na Copa de 1986), Sam Kunti e Andreas Selliaas falam sobre Neom, uma cidade inteira que está sendo construída para a Copa de 1934, na Arábia Saudita, e que vem sendo palco de diversos horrores humanitários em sua construção.
As fotos ao longo da edição são de Ciro Pipoli, fotógrafo napolitano que foi à Argentina e registrou a paixão do torcedor pelo futebol em fotos inspiradíssimas. A galera completa está no post do Copa90 no Instagram.