Sou um contumaz defensor de que qualquer pessoa apoie seu clube local, especialmente para quem não é de cidade grande. Clubes do interior ou de cidades menores da região metropolitana nem sempre tem recursos para sobreviver e muitas vezes é a força da torcida local que os mantém vivos.
Se você está lendo isso e gosta de futebol, é muito provável que você o faça desde pequeno ou no máximo na adolescência. É nessa etapa da vida que o futebol ainda nos chama a atenção somente por seu caráter lúdico e inocente. Só depois que ficamos chatos e nos preocupamos com mercado de transferências, esquemas táticos e polêmicas de arbitragem.
No meu caso, foi meio diferente. Minha infância foi em Diadema, na região metropolitana de São Paulo, mas eu não tinha um time local para torcer. A cidade só tinha times amadores, fundados por amigos mais como uma justificativa para tomar uma gelada no fim de semana do que para ganhar jogos.
Tinha um time desses aí chamado Água Santa. Ele foi fundado em 1981, muito antes de eu nascer. Mas até 2011, quando já era adulto, eu nunca tinha ouvido falar dele. No máximo de ver gente na rua com uma camisa, daquelas bem espalhafatosas, como qualquer camisa de time amador.
Acontece que esse pessoal começou a levar a prática do futebol a sério, a ponto de se tornar o maior time amador do estado de São Paulo, ganhando título atrás de título.
Eu não estava lá nesse dia, mas foi provavelmente numa mesa de bar ao lado do campo do Taperinha, depois da 23ª garrafa de cerveja, que alguém falou: “E se a gente se profissionalizasse?”. No que quase todos que estavam ouvindo deram uma grande gargalhada e começaram a inventar histórias absurdas de como seria se isso acontecesse. Mas talvez a frase “Deus não alimenta um sonho em sua mente que não possa ser realizado” não esteja impressa com tanto destaque no estádio à toa.
Eu não estava lá na minha infância quando o Água Santa chegou numa final de campeonato paulista de futebol masculino profissional, em março de 2023. Já estava na vida adulta, com os primeiros pelos grisalhos crescendo na barba. Mesmo assim, a ida do meu time – um dos grandes da capital – a Diadema durante o campeonato foi uma justificativa envergonhada para forjar tardiamente uma identificação. Compareci ao jogo. A minha primeira vez no Distrital do Inamar foi quase um pedido de desculpas pela indiferença com as camisas espalhafatosas da época do amadorismo.
Mas mesmo com 21 anos na profissionalização do clube, com 25 anos em seu primeiro acesso à divisão principal do campeonato paulista e com 33 anos na minha primeira visita ao estádio, o último pênalti que garantiu o Água Santa na final do campeonato me trouxe de volta o senso de pertencimento que só o futebol soube trazer. Não pelo time em si, mas por estar conectado umbilicalmente àquela realidade que é de ser criança, adolescente e adulto em Diadema. De, aos domingos de manhã, ver pela minha janela e ouvir os gritos das partidas de futebol que aconteciam num campo de terra. Jogos esses com mais torcida e rojão que muito jogo profissional. Diadema ama futebol e não foi na profissionalização do Água Santa que isso começou.
(Já adulto, acompanhei a transformação desse campo de terra, que recebeu gramado sintético e passou a receber jogos das categorias de base do Água Santa.)
Em uma coincidência da vida, a final vai ser contra o meu time, o grandão da capital que eu adotei enquanto o futebol local ainda engatinhava e que fincou raízes em mim. Não vai ser dessa vez que vou torcer por um título do Água Santa, e a camisa que eu comprei na empolgação depois que ele eliminou o São Paulo vai ter que esperar um tempinho para ser usada.