Passados três dias da eliminação do Brasil, a frustração ainda não se dissipou muito não. É difícil de se acostumar com a ideia de que um ciclo de quatro anos dedicado a formação de jogadores, competições de base, disputa de jogos e jogos de eliminatórias, análises táticas e técnicas aprofundadas, projeções etc. e etc. desemboquem em detalhes tão sórdidos: uma bola desviada, um pênalti que não entrou por centímetros e um par de decisões contestáveis, mas que passariam batido na esmagadora maioria das situações.
Eu não sou um catastrofista no futebol. Juro que não. Nas competições de clubes, eu entendo a aleatoriedade do futebol. Por isso, sou adepto da ideia de que o importante é estar disputando. Se você joga a Libertadores todo ano e sempre belisca as quartas-de-final, um dia você acaba tropeçando no título. Da mesma forma, você não precisa liderar o campeonato brasileiro de ponta a ponta, virar o primeiro turno em 5º lugar está de bom tamanho. Mais do que ganhar o tempo todo, o importante é estar sempre acenando para o topo. Esse lugar é quentinho para o torcedor.
Me lembro que saí da derrota para Bélgica em 2018 com uma sensação tranquila. Meu dia e o restante da minha experiência daquela Copa do Mundo não foram tão amargos. Eu ainda estava no lado “o importante é estar por ali”. Perder para a Ótima Geração Belga®️ fazia parte e, num confronto de camisas fortes, alguém teria que ganhar. Desde que não passemos vexame (como perder para a Alemanha ou então ser essa Alemanha e cair fora na primeira fase), tá tudo bem. França em 2006? Tudo bem. Holanda em 2010? Tudo bem.
Mas a eliminação para a Croácia ativou o meu lado catastrofista, que consiste em uma suposição embebida em desespero: nós nunca mais vamos ganhar essa merda. Ou pelo menos vai demorar muito. Porque todas essas incontáveis minúcias de preparação para a construção de um cenário que vai nos levar ao hexa no final esbarram em alguma coisa. Desde 2006 é alguma coisinha, sabe?
O catastrofismo vem quando pensamos na tortura que é esperar quatro fodendo anos. Não para ganhar, mas sim para ter uma nova chance, de começar tudo de novo. De ficar com cagaço de um país do Bálcãs e ganhar tranquilo, de conquistar uma vitória épica sobre algum país montanhoso com gol do seu volante, de perder quando podia perder para alguma seleção da África Central, de dar o maior show da Copa do Mundo contra uma das metades de um país dividido... e de ser eliminado pelo 12º lugar do ranking da Fifa da ocasião, nos pênaltis, depois de tomar um gol de bola desviada faltando 4 minutos pro fim do jogo. Jogando melhor que o adversário.
Sempre vai ter alguma coisa. Não importa o que se faça. Mesmo com uma ótima seleção, uma ótima preparação, um crescimento na identificação de alguns jogadores com o povo, um ótimo técnico e a ótima campanha nas eliminatórias e nos amistosos. A ponto de eu ter repensado tudo que eu tinha como convicção na dinâmica da relação entre favoritos x candidatos a zebra no futebol.
Desde sexta-feira, a busca pela racionalidade, uma característica que às vezes me ajuda e às vezes me atrapalha, tem tido seus altos e baixos. Algumas explicações são pensadas na busca por esse conforto que só a ilusão do controle me traz. Algumas delas:
· A Croácia é um time que tem um alto nível de adaptação ao contexto do jogo e às fortalezas do adversário;
· O adversário das quartas deveria ser a Espanha, o que caracterizaria um confronto de “alto nível”, como foi a Bélgica em 2018. Se foi a Croácia, é porque esta passou por uma cadeia de confrontos que deixou a Espanha no caminho;
· Fomos eliminados pela 5ª vez seguida para uma seleção europeia, e por mais que eu não tenha razões na ponta da língua para isso, é uma tendência no mínimo esquisita.
Mas numa Copa do Mundo, um torneio tão cruel por colocar trabalhos de 4 anos (ou até mais) condensados em jogos de 90 minutos, o maior fator é aquele que não deixa o coração quentinho e que não está no nosso controle: o futebol é aleatório. Os sites de aposta e as pessoas que apostam que lutem. Mas é essa aleatoriedade que torna essa competição uma catarse em escala global.
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Uma prévia com ares épicos para o confronto entre Messi e Modric
“Tan diferentes. Tan necesarios. Tan imprescindibles. Tan codiciados. Tan desequilibrantes. Y este martes no se sabrá quién es el mejor, porque, por decirlo así, uno, Leo, tiene el pincel del Séptimo Día de la Creación, y el otro, Luka, se afanó durante los seis días anteriores construyendo el increíble, impredecible y cautivante universo croata.”
Onde Neymar se encaixa na nossa consciência?
“Prefiro os dias em que detestá-lo é simples...”
Quando as próprias regras da Fifa se contradizem
“El lema elegido, “Qatar 22: Espera lo increíble”, ha resultado ser premonitorio. Efectivamente, es increíble que se celebren partidos sobre estadios en cuya construcción han muerto trabajadores. Increíble el blanqueamiento de un régimen que vulnera sin miramientos derechos humanos fundamentales.”
Apenas queremos ganhar. Palavras que conversam com o que falei acima.
“Afinal, todos entendemos suficientemente do assunto para que os mais lisérgicos devaneios sejam aceitos como legítimos durante a autópsia. Depois de assistirmos à batalha em silêncio, escondidos no alto da montanha, é hora de descer para esfaquear os feridos.”