FFM #33: A epidemia nacional de apostas
+ Dados do tamanho do problema das bets + treta de torcidas ideologicamente opostas em Israel + o ex-ídolo da Inter de Milão que se tornou militante da luta zapatista
Vamos mais uma vez falar de apostas. O assunto já rendeu as edições 4 e 29 da FFM. Algo que tangenciou essas duas newsletters foi o buraco negro onde os sites de aposta estavam enfiados no Brasil do ponto de vista de informações sobre quem, quando, porquê e onde estava acontecendo a atuação das bets, que cada vez mais se proliferavam no país.
Uma parte importante do que precisávamos saber começou a vir à luz nas últimas semanas. Tanto o Brasil quanto os EUA foram objetos de estudos divulgados recentemente mostrando o tamanho do estrago que está sendo feito pelas bets na saúde mental e no equilíbrio financeiro de suas populações.
Comecemos pelos Estados Unidos. Por lá, a coisa é mais regulamentada e funciona por estado. A legislação pode ser mais frouxa na Flórida e mais restritiva na Califórnia, por exemplo, bem como a autorização obtida para cada site de apostas funcionar. Porém, de forma geral, tem crescido a quantidade de estados que legalizaram as apostas esportivas num histórico recente. Aí as toneladas de ações de marketing fizeram sua parte e hoje já se aposta nos EUA num nível bem mais próximo da Europa do que antes.
Se tem uma coisa que eu gosto no estadunidense é que eles têm dados para absolutamente tudo. Portanto, mesmo sem tantos anos de um maior afrouxamento na legalização das apostas, os estudos sobre o efeito delas na economia local já começam a vir, trazendo coisas reveladoras.
Um estudo publicado na revista SSRN (Social Science Research Network) trazido ao por-enquanto-finado Twitter pelo economista Florian Ederer e depois pelo jornalista Leandro Demori traçou um paralelo entre a legalização das apostas e a redução de 14% da poupança das famílias. A cada $1 investido em apostas, $2 a menos são investidos na poupança. Há ainda relação das apostas com aumento de dívidas de cartão de crédito. Isso sem nenhuma transferência do investimento em outras loterias: elas mantiveram o mesmo ritmo.
Já em nossas terras, esse cenário onde as apostas disputam espaço do bolso com investimentos e até itens básicos também já é realidade. Na matéria da Folha de Pernambuco que reverbera um estudo conduzido pela PwC Strategy& sobre os efeitos das apostas no bolso do brasileiro, a galera nem se preocupou em fazer um filtro de páginas: publicidade do jogo do Tigrinho bombando (é importante que se dê nome aos bois: a publicidade é da BetNacional, casa que tem Vini Jr., Thiaguinho e Ludmilla como garotos-propaganda).
A pesquisa da PwC Strategy& mostra a gravidade da situação. As apostas já superam despesas obrigatórias, como saúde e educação, no gasto do brasileiro. E começam a ameaçar até mesmo os gastos com alimentação.
Os estudos trazem à tona algo que a vergonha e o tabu que ainda existe em cima das apostas não permitiam ver, mas que basta um tempinho bisbilhotando celulares alheios no transporte público para chegarmos à conclusão de que as apostas, como são feitas hoje, já são uma epidemia no Brasil.
E não foi por falta de aviso: o mercado está sem regulamentação há seis anos, desde quando Michel Temer legalizou as apostas esportivas no Brasil, empurrando com a barriga as regras que dariam algum mínimo senso de responsabilidade para as operadoras. A boiada continuou passando no governo Bolsonaro e a coisa só andou a partir de 2023.
Com os novos estudos que vieram à luz, além de uma boa parte da população já estar simplesmente de saco cheio de tanta propaganda de bet surgindo em cada fresta por aí, o clima já começa a ficar pesado para casas de apostas que não adotam algum mínimo de compromisso ético com a saúde mental dos seus usuários.
No meio da publicidade, basicamente a única forma que as casas têm para se diferenciar em um mercado extremamente saturado, duas iniciativas recentes chamam a atenção: o CONAR, Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, um órgão não-governamental que dita boas práticas para o mercado, definiu regras para a publicidade de apostas esportivas, vedando anúncios que pressionem o usuário e o estimulem ao exagero, à alta repetição e ao jogo irresponsável, além de várias outras medidas.
A outra iniciativa que chamou a atenção foi o posicionamento da New Vegas, uma agência de publicidade. Em meio aos dados alarmantes divulgados sobre esse mercado, a empresa determinou que casas de apostas não serão bem vindas em seu portfólio de clientes. Uma aposta (perdão pelo trocadilho) ousada da agência, que espera ter a imagem de uma agência preocupada com o bem estar da população em troca de uma fatia deste enorme bolo não regulamentado de dinheiro.
Numa matéria da própria Agência Gov, portal de notícias do governo, temos a informação de que 113 empresas pediram autorização para operar no Brasil a partir de 1º de janeiro de 2025 (quem não tiver a autorização estará banido), e que este número é maior do que as estimativas do mercado. Para mim, esta última frase cheira a uma regulamentação ainda branda demais.
Se todos esses anos sem nenhuma regulamentação no mercado de apostas serviu para alguma coisa, foi para termos um laboratório do tamanho do estrago que o liberalismo total pode causar.
No Brasil, 60% das pessoas que apostam já admitiram que suas finanças se comprometeram de alguma forma
Ainda dentro do tema das bets, está fresquinho o episódio do podcast Mamilos falando exatamente sobre essa epidemia e trazendo outros dados que trazem a dimensão da questão no Brasil: 48 milhões de pessoas do Brasil já apostaram. Delas, 60% disseram que isso comprometeu de alguma forma suas finanças. Se gasta em apostas no Brasil 12x o valor gasto em cinema. O episódio ainda traz o rápido crescimento de um fenômeno mais recente e ainda mais nocivo que as apostas esportivas, o tal do Jogo do Tigrinho. Por fim, tem análises que buscam entender o comportamento do apostador, que em maioria trava um incessante busca por dinheiro fácil.
Em Israel, hino nacional vaiado e batalha campal de torcidas ideologicamente opostas
Não é novidade que os ânimos estão bastante exaltados em Israel. O último acontecimento que inflamou a população foi a morte de seis reféns que estavam sob custódia do Hamas há quase um ano, desde o início do conflito que segue até hoje. Esse fato em específico será o tema principal da próxima edição. Mas teve outra treta, esta literal, envolvendo o futebol e a guerra do país contra o Hamas.
Hapoel Beer Sheva e Bnei Sakhnin se enfrentariam pelo campeonato local. Enquanto a primeira equipe é de uma cidade com maioria de eleitores da direita israelense, espectro onde está o atual governo, a segunda tem origem árabe. Antes da partida, o hino nacional de Israel foi tocado, uma prática que curiosamente começou a ser aplicada neste ano. A torcida do Bnei Sakhnin vaiou, a do Hapoel Beer Sheva invadiu o campo partindo para cima, com pedaços de pau, e se iniciou uma batalha campal, suspendendo a partida. Cenas (fortes) aqui, um microcosmo de como a população local está em ebulição. Mais detalhes no podcast Xadrez Verbal desta semana.
Quando Javier Zanetti, ídolo da Internazionale, se envolveu com o zapatismo
De um lado, o legado da luta do guerrilheiro Emiliano Zapata que gerou o EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) no México. Do outro, o argentino Javier Zanetti, argentino que cresceu numa comunidade pobre do país e não esqueceu suas raízes mesmo quando virou estrela na Itália. De repente, em 2005, o jogador é apresentado à luta do EZLN e se torna simpático a ela. Além de se aproximar da liderança do grupo, ele organiza diversas ações de arrecadação para contribuir com a manutenção do Exército. Caso raro de jogadores que não se acanham de se posicionar politicamente e, ainda por cima, contribuir de maneira ativa com lutas como a do EZLN. Via Instagram do Bola Parada e do Ninja Esporte Clube.